quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Citação da semana

“Vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé diante do trono e diante do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mão. E, em voz alta, proclamavam:
‘A salvação pertence ao nosso Deus,
que está sentado no trono e ao Cordeiro!’
E todos os Anjos que estavam ao redor do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres vivos se prostraram diante do trono para adorar a Deus. E diziam:
‘Ámen! O louvor, a glória, a sabedoria,
a acção de graças, a honra, o poder e a força
pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Ámen!’
Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me: ‘Estes que estão trajados com vestes brancas, quem são e donde vieram?’ Eu respondi-lhe: ‘ Meu Senhor, és tu quem o sabe!’ Ele, então, explicou-me: ‘ Estes são os que vêm da grande tribulação; lavaram as suas vestes e branquearam-nas no sangue do Cordeiro.”
(Ap 7, 9-14)

O livro do Apocalipse, último da Bíblia, é, certamente, o mais intrigante e espantoso livro, não tanto pelo conteúdo (que é conteúdo teológico, como todos os outros e, para os crentes, Palavra de Deus), mas sobretudo pela forma como está escrito e pelo género literário. Pertence ao género apocalíptico e não é exemplar único na Bíblia. O recurso a este género literário está amplamente difundido entre a profética bíblica e até em passagens do Evangelhos. Aqui, no entanto, assume um cariz próprio, que tem despertado a imaginação e o mito e ao longo da história, ofuscando aquilo que de mais importante contém: a mensagem, que é de esperança e de vida. E tanta falta que a esperança nos faz neste período que vivemos…
O Apocalipse pertence à bibliografia de João, o mesmo autor do Evangelho. Está escrito como se fosse uma grande celebração litúrgica, que se desenvolve à volta do Cordeiro, que é Cristo e em que a assembleia são as comunidades cristãs, atormentadas pela perseguição e pela dúvida.
Este trecho insere-se num conjunto de visões que são concedidas ao autor, nas quais ele é mais do que mero espectador a quem é dado conhecer algo. Nas visões bíblicas, e estas não são excepção, o profeta toma quase sempre parte na visão como parte activa: aqui é-lhe feita uma pergunta, para a qual ele não sabe a resposta, nem é suposto que saiba, porque ainda não lhe tinha sido revelado. É-lhe perguntado precisamente para que ele tome disso conhecimento. Uma lógica um pouco diferente da que estamos habituados, mas muito eficaz.
Esta visão relata precisamente um dos aspectos da mensagem salvífica do Apocalipse: é a visão dos eleitos: “uma grande multidão, que ninguém podia contar”, vindos de todas as nações: regista-se aqui a universalidade da salvação, isto é, a salvação que é oferecida a todos e não apenas ao povo eleito (judeu). Estão trajados de vestes brancas e palmas nas mãos, símbolos de festa. Proclamavam em alta voz um hino de louvor a Deus, de pé. Em alta voz porque sem medo e porque querem ser ouvidos. De pé, porque estão face a face com Deus (uma forma profética de se referir à vida eterna) e porque não são já servos de coisa nenhuma: foram resgatados por Cristo. O Ancião esclarece o autor (e a nós que lemos) sobre quem é a multidão incontável (o autor usa aqui um artifício literário também usado pelo profeta Zacarias, em 6, 4): são os que vieram da grande tribulação, isto é, os que sofreram perseguição, de entre as quais a de Nero (o Império Romano tem, aliás, lugar especial no Apocalipse) se torna o protótipo. Lavaram e branquearam as vestes no sangue do Cordeiro. A imagem parece-nos estranha, mas é extraordinária bela: significa a eficácia da morte de Cristo, isto é, a certeza da salvação em Cristo.
O interessante no livro do Apocalipse é, precisamente, o facto de estar escrito neste género profundamente simbólico. Mas não há nele nada de estranho. Ele é, na verdade, uma mensagem encriptada dirigida, precisamente, às comunidades cristãs que tomam parte no livro como assembleia. Uma forma de fazer chegar uma mensagem de esperança e força aos que sofriam, e muito, pelo facto de quererem viver a sua fé. Não é muito diferente do que vemos ainda hoje…

domingo, 26 de outubro de 2008

Citação da semana

“Os fariseus, ouvindo que ele fechara a boca dos saduceus, reuniram-se em grupo e um deles – a fim de o por à prova – perguntou-lhe: ‘Mestre, qual é o maior mandamento de lei?’ Ele respondeu: ‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”. (Mt 22, 34-40)

Uma vez mais, como na passada semana, mais um teste por parte dos fariseus, na expectativa de apanhar Jesus em falso. Mais um episódio daquele jogo dialéctico que frisei na passada semana. Jesus resume a Lei e os profetas em dois mandamentos chave: amar a Deus e ao próximo.
Esta é uma passagem com muitos paralelos, não só nos outros Evangelhos, como também por toda a Bíblia. O mandamento do amor a Deus é o cerne da lei judaica propriamente dita. Aqui é recapitulada e actualizada por Cristo, juntando-lhe o amor ao próximo em pé de igualdade. Há muitos aspectos a explorar nesta passagem… Fica a sugestão de uma leitura atenta. Dúvidas, para o mail.

domingo, 19 de outubro de 2008

Citação da semana

(…) “Os fariseus fizeram um conselho para tramar como apanhá-lo por alguma palavra. E enviaram-lhe os seus seguidores, juntamente com os herodianos, para lhe dizerem: ‘Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de facto, ensinas o caminho de Deus. Não dás preferência a ninguém, pois não consideras um homem pelas aparências. Diz-nos, pois, que te parece: é lícito pagar imposto a César, ou não?’ Jesus, porém, percebendo a sua malícia, disse: ‘Hopócritas! Por que me pondes à prova? Mostrai-me a moeda do imposto’. Apresentaram-lhe um denário. Disse ele: ‘De quem é esta imagem e a inscrição?’ Responderam: ‘De César’. Então disse-lhes: ‘Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é Deus, a Deus’. Ao ouvirem isto, ficaram maravilhados e, deixando-o, foram-se embora.” (Mt 22, 15-22)

Este trecho vem imediatamente na sequência do texto da semana passada. Esta sentença insere-se num conjunto mais ou menos longo, entre os capítulos 19 e 23, essencialmente narrativos, que incluem várias parábolas e sentenças, compondo assim um conjunto de ensinamentos. Este, em particular, como o que abordei na passada semana, acontece já depois da entrada triunfal em Jerusalém, que o autor descreve no cap. 21, portanto, perto já dos acontecimentos centrais do Evangelho.
Descreve-se aqui mais uma tentativa de apanhar Jesus em falso. Uma das constantes por todo o Evangelho (não apenas em Mateus), é a tentativa por parte dos fariseus, de desmascarar ou apanhar Jesus em contradição. Aqui, assume uma certa dialética, quase um jogo, entre fariseus (que constantemente querem deitar por terra a popularidade e a firmeza dos ensinamentos de Jesus) e Jesus, que de todas as vezes os ultrapassa em sabedoria. Existe também aqui, por parte do autor, uma preocupação em mostrar a novidade de Jesus (Mateus escreve o evangelho para cristãos de origem judaica, logo para pessoas que entendem e vivem na mentalidade e cultura judaicas. Era importante que a figura de Jesus fosse apresentada não em contradição, mas como culminar, cumprimento e, ao mesmo tempo, novidade absoluta, das escrituras).
Jesus reage expondo de imediato as intenções dos interlocutores: “Hipócritas!”. Trata-se, de facto, de uma armadilha montada para denunciar Jesus às autoridades civis como estando contra o regime romano. Se a resposta tivesse sido outra, Jesus teria sido acusado de tumultuar as multidões e incentivar a desobediência civil. Por isso, também são convocados os herodianos, isto é, aqueles que são partidários de Herodes, o rei judeu. Seriam estes a denunciar junto dos romanos a prevaricação de Jesus.
Os fariseus, um dos “partidos” da sociedade judaica (havia vários… estes deram origem à corrente rabínica) procuravam proteger a sua influência junto do povo. Jesus aparecia como alguém que arrasta multidões, não impondo regras nem leis nem preceitos, mas passando uma mensagem nova.
A resposta é clara: pois se aceitam a autoridade romana, também é justo que contribuam para essa sociedade. Mais ainda: a autoridade civil não se sobrepõe à autoridade religiosa, nem vice-versa. Ambas cumprem um papel e estão colocadas em esferas diferentes. Simples, não?...
Dúvidas, como de costume, para o mail.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Citação da semana (mais ou menos):

Jesus voltou a falar-lhes em parábolas e disse: “O reino dos Céus é semelhante a um rei que celebrou as núpcias do seu filho. Enviou os seus servos para chamar os convidados para as núpcias, mas estes não quiseram vir. Tornou a enviar outros servos, recomendando: ‘Dizei aos convidados: eis que preparei o meu banquete, os meus touros e cevados já foram degolados e tudo está pronto. Vinde às núpcias’. Eles, porém, sem darem a menor atenção, foram-se, um para o seu campo, outro para o seu negócio, e os restantes, agarrando os servos, maltrataram-nos e mataram-nos. Diante disto, o rei ficou com muita raiva e, mandando as suas tropas, destruiu aqueles homicidas e incendiou-lhes a cidade. Em seguida, disse aos servos: ‘As núpcias estão prontas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às encruzilhadas e convidai para as núpcias todos os que encontrardes’. E esses servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons, de modo que a sala nupcial ficou cheia de convivas. Quando o rei entrou para examinar os convivas, viu ali um homem sem a veste nupcial e disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem a veste nupcial?’ Ele, porém, ficou calado. Então disse o rei aos que serviam: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o fora, nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes’. Com efeito, muitos são chamados, mas poucos escolhidos”. (Mt 22, 1-14)

Existem muitas passagens da Bíblia que se referem ao Reino dos Céus. Escolhi esta, que considero muito expressiva e simbólica, para começar esta espécie de rubrica, acrescentando no blog um espaço semanal (aproximadamente…) de reflexão sobre uma passagem. Começo, precisamente, pelo fulcro da mensagem bíblica: o Reino dos Céus.
O género parabólico é amplamente utilizado na Bíblia. Jesus fala aos discípulos quase sempre através de parábolas ou usando linguagem parabólica.
Isto permite-nos a busca de significados vários, adequando e interpretando a mensagem, na procura da forma de melhor fazer entender a mensagem contida. Não significa, porém, que seja lícito interpretar a bel-prazer o que é colocado na boca de Jesus. A interpretação das parábolas, como da Bíblia em geral, está sujeita ao contexto e à mensagem e intenção teológica do autor. Dito de outro modo: existe na linguagem parabólica, precisamente por recorrer ao uso de símbolos e metáforas, a possibilidade de buscar sentidos de interpretação, mas não existe a possibilidade de procurar sentidos para além da intenção com que as parábolas foram escritas. O mesmo vale para o texto bíblico no seu todo: a verdadeira baliza é, realmente, aquilo a que chamamos a intenção teológica do autor sagrado – a razão pela qual escreveu este texto e aquilo (mensagem) que pretende transmitir, para uma situação ou contexto concretos.

Esta é uma parábola muito forte. Utiliza termos duros, ao mesmo tempo que fala do banquete celeste: o Céu. Utiliza uma linguagem bastante alegórica, sendo possível antever duas cenas distintas: até ao versículo 10, trata-se da felicidade messiânica. Deus é o rei, o Messias é o filho. O banquete é a felicidade celestial. Os enviados são os profetas e os apóstolos. Os convidados são os judeus, o povo eleito, e por isso mesmo os convidados por excelência, mas que recusam o convite e maltratam os enviados. Os que são chamados nas encruzilhadas e caminhos são os pagãos (em sentido lato, aplicando ao quotidiano, somos cada um de nós).
A partir do v. 11 a cena muda: o banquete é o juízo final. Mateus funde na mesma parábola o banquete eterno e o juízo, onde os convidados devem vestir a veste nupcial. É talvez a cena mais intrigante: Porque expulsa o rei o mendigo, por causa da veste, se foi chamado do caminho?... Existe aqui um paralelo com Ap 19, 8. Aí relata-se a alegria do banquete eterno, na Jerusalém Celeste (= Reino dos Céus), em que os convidados estão vestidos de branco (= pureza). Este conviva não estava com a veste nupcial, o mesmo é dizer, não estava purificado, não era dos justos, não estava ali de coração. Tudo formas de dizer que para o banquete todos são chamados. Mas cada um é livre de aceitar ou não o convite. Uma vez aceite, está implícita uma mudança de vida. Para quem recusa o convite, há trevas exteriores (o mundo fora do banquete), choro e ranger de dentes (desespero; angústia; sofrimento). Importa dizer que as trevas exteriores, o choro e o ranger de dentes são alegorias simbólicas para significar a não aceitação do convite, ou seja, não se está a fazer aqui um rol do que espera aqueles que recusam Deus (como um castigo), mas antes o que existe, do ponto de vista do evangelista, fora da comunhão com Deus. Por outras palavras: na parábola, ninguém é condenado ao infortúnio. O conviva é lançado fora, como consequência da sua impertinência: o convite supunha a veste nupcial (= mudança de vida = “sequela Christi”). Ao não envergar o traje, recusou a pertença ao banquete. Por isso sai, atado de pés e mãos (ou seja, incapaz de se desfazer das coisas que o “atam”). Volta para onde veio (encruzilhada = dúvida; indecisão; angústia. O mundo sem Deus).
Simbologia bonita!
Como sempre, dúvidas e questões para o mail!

domingo, 7 de setembro de 2008

A caixa de e-mail

Finalmente lá me decidi a escrever aqui outra vez... Andei a maturar esta ideia. Não queria que fosse nada pretencioso. Mas gostava que fosse um espaço multi-facetado, centrado, realmente, na Bíblia. Isento de discussões circunstanciais, de fezadas, de radicalismos.
Aqui vão caber as dúvidas, as críticas, os comentários, as ideias... No respeito do ponto de visto de cada um, sabendo, a priori, que as minha respostas serão do ponto de vista teológico, com a maior objectividade possível,no sentido do esclarecimento, da ajuda, da abertura de horizontes e caminhos que contribuam para a familiarização com o Livro que melhor nos pode ajudar a entender Deus e o Homem.
Assim, aqui fica o endereço de e-mail para onde poderão ser enviadas as questões e dúvidas: abibliadesvendada@gmail.com.

Uma outra ideia que tenho vindo a estruturar é a realização de "cursos"... Coisas simples, que não vão, obviamente, garantir uma qualificação académica no final, mas que pretendem ajudar a sintetizar o conhecimento sobre a Bíblia e tudo o que com ela se relaciona. Serão cursos, para já, através de mail, isto é, enviarei mails semanais ou quinzenais, cada um com um tópico ou capítulo para análise e estudo. Aguardarei o feed-back para esclarecer as dúvidas que possam surgir, e depois avançar para o próximo item de estudo.
Assim, a primeira proposta será começar pelo início. Um curso sobre a Bíblia, como ela é: como se fomou, como se divide, como foi influenciada, como se chegou à estrutura que tem hoje.
Os interessados poderão enviar mail a solictar mais informação. Brevemente, disponibilzarei um plano estrutural das sessões do curso.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Bíblia. O conjunto de livros mais lido, mais falado, mais discutido. A primeira obra impressa. Palavra de Deus, História do Homem…de um povo. Mudou o mundo.
E, no entanto, sabemos tão pouco… De quem a fez, porque a fez, do que quer dizer, que verdade contém… Não entendemos a linguagem, os contextos, as histórias por detrás dela, os segredos que esconde…
Ao mesmo tempo que fascina, afasta. É muito grande, cheia de frases sem sentido, de coisas que ninguém percebe…Fantasias? Ou revelação de Deus?
Desvendar significa tirar a venda. É o que se pretende fazer aqui… Tirar a venda, não da Bíblia, mas de quem a lê. Esclarecer, ajudar a compreender, contextualizar. Dar sentido.
Foi assim que nasceu este blog. Sou teólogo, de formação académica. Decidi partilhar o que sei sobre a Bíblia, mediante pequenos “cursos”, que mais não serão que pistas, ajudas, bengalas para a leitura e compreensão do texto e do contexto. Aqui poderão surgir as dúvidas e as inquietações. Está ainda no início… Não sei ainda bem como fazer. A seu tempo, surgirá um mail para receber comentários, dúvidas, questões… Enfim, o que for. Para já, considera-se ainda “blog em construção”.